21 novembro 2006

QUE VIDA ?

100% contra ! 200% a favor ! A questão está relançada na opinião pública e na agenda política. O julgamento da Maia veio reavivar as memórias, trazer de novo a debate a questão da despenalização da interrupção "voluntária” da gravidez. Quero deixar, desde já, clara a minha posição : sou indefectivelmente contra o aborto, sou irredutivelmente favorável à despenalização das mulheres que se vêem forçadas à sua prática ! Muito embora possa parecer paradoxal a minha posição espero conseguir explicar o que me leva a assim pensar e porque se tem vindo a cometer, a meu ver, uma grande confusão nesta matéria. Sou, até pela minha formação e opção cristã de pensamento e vida, adepto do direito à vida, considerando, como tal, que sendo o direito humano mais valioso deve ser preservado a todo o custo e acredito que um procedimento abortivo é um crime por pôr em causa esse direito supremo. Salvo aqueles que não consideram um embrião uma vida humana a todos choca a decisão de retirar a possibilidade de nascer a uma vida embrionária, o decidir por quem não tem quaisquer possibilidades de se manifestar e de se auto-defender. Mas a questão não é essa. E é aqui que se pode questionar a voluntariedade da interrupção da gravidez por parte daquelas mulheres que não vêm outra saída que não a fuga para a frente perante a degradação das suas condições de vida ou, até, quantas vezes, a falta de coragem de prosseguir uma gravidez que não desejaram ou não vislumbram poder vingar. Qual a mulher que perante uma gravidez desejada, que tem uma situação socio-profissional e familiar para poder dar condições de vida dignas ao seu filho, opta por abortar? Pergunto-me até se haverá alguém bem formado que seja a favor do aborto como solução seja para o que for? O aborto é um flagelo, um último recurso num país onde nem sequer há uma verdadeira educação sexual profilática a nível, nomeadamente, do planeamento familiar. Então, temos que desviar o enfoque para as opções que, as mais das vezes, de voluntário pouco têm e quando o têm são fortemente condicionas por diversas ordens de razões. Na mesma altura em que se olham os toxicodependentes já não como criminosos mas como doentes que carecem da ajuda do todo social e que, consequentemente, deverão ser despenalizados e ao mesmo tempo que se defende que a luta se deve canalizar contra o tráfico e todos os seus agentes, continuam a encarar-se as mulheres que abortam como criminosas merecedoras de punição. Ora, com aquela posição não me parece que se esteja a defender o consumo de drogas mas, tão somente a considerar os consumidores como suas vítimas. E, é neste paralelismo, que deveremos encontrar a via que nos conduz à conclusão que a luta deve e tem que ser dirigida ao tráfico abortivo e não às suas “vítimas”. Não querendo com isto dizer que se defende a prática do aborto ou aquelas que o praticam mas, simplesmente, não as condenando penalmente por terem chegado ao ponto de se verem “forçadas” a por ele optar. Como em todos os flagelos sociais, há sempre energúmenos que se aproveitam da desgraça alheia e penso que neste sentido o julgamento da Maia foi exemplar. Lutemos contra todos os traficantes com todas as nossas forças ! Desconfio grandemente duma sociedade em que os bons cidadãos são apenas aqueles que cumprem a lei à risca. Quem cumpre a lei é boa pessoa quem a infringe não presta! Estes axiomas relançados pelo neo-liberalismo cheiram-me a podre e a balofo e são (como se diz no Norte) “bacocos”. E quando a lei é injusta? E há outra questão: mesmo quando sou um cidadão que pauto o meu comportamento pelo cumprimento da lei, que mérito pessoal terei eu em optar por uma determinada conduta quando a conduta oposta me é proibida? Onde fica a liberdade de escolha? Começei por dizer que sou convictamente cristão e pauto o meu comportamento, acima de tudo, pela Palavra de Deus que é a minha regra de fé e prática. E é lá que encontro a norma básica da lei do amor que procuro seguir : “Todas as coisas me são lícitas mas nem todas convêm.” (1). Só posso ser louvado pelas minhas opções comportamentais quando posso exercer o livre arbítrio. É então que poderei afirmar-me como cristão e fazer ou deixar de fazer aquilo que a minha consciência me ditar. É evidente que esta posição poderá conduzir a extremos perigosos e não defendo com isto a descriminalização generalizada. Isso seria um absurdo jurídico e impraticável num Estado-de-Direito. E nem sequer o acho minimamente desejável. Mas existem áreas em que temos que parar para pensar e introspectivamente analisarmos se estamos a defender aquilo que é o mais justo ainda que, eventualmente, menos legal. Sem querer parecer demasiado “religioso” permitam-me referir um episódio bíblico que considero paradigmático do que deve ser, na minha óptica, a posição do cristão e, consequentemente, de uma sociedade imbuída de valores cristãos, face a este tipo de questões : A lei hebraica previa : “ Se um homem comete adultério com a mulher de outro, tanto ele como ela devem ser condenados à morte” (2) A gravidade do crime era perceptível pela dureza da pena (morte por apedrejamento popular). Certo dia, as autoridades judiciais e religiosas de então com o intuito de testar a fiabilidade dos ensinamentos de Jesus e o seu conhecimento da lei mosaica trouxeram à sua presença uma mulher apanhada em flagrante delito de adultério perguntando-lhe o que fazer perante a prescrição legal em vigor. Jesus calmamente desenhava com o dedo no chão e lançou o repto: “ Aquele de vocês que nunca pecou atire-lhe a primeira pedra.” É então que paulatinamente se dá a debandada geral. Então, Jesus interpela a mulher : “ Onde estão eles? Ninguém te condenou?” “Ninguém, Senhor!” – respondeu ela. “ E eis a resposta sábia e revolucionária de Jesus : “ Também eu te não condeno. Vai-te embora e daqui em diante não tornes a pecar “ (3) Para os “ doutores da lei e fariseus” de hoje a solução “herética” de Jesus leva-lo-ia, muito provavelmente e tal como então, à “crucificação” pública. Mas certamente que ninguém de bom senso reclamará que Jesus, com a sua atitude estava a aprovar o que a lei condenava, ou seja, é impensável defender que Jesus tornou lícito o adultério até porque a sua ordem “ não tornes a pecar” sugere o óbvio. Mas então como entender a sua afirmação: “ Também eu te não condeno.” ? Jesus não liberalizou o adultério mas despenalizou quem o praticou ! Mais que as considerações, já de si importantes, da necessidade de modernização e conformação da nossa legislação com a quase totalidade dos edifícios legais dos restantes países comunitários, importa ter uma atitude de bom-senso e equidade perante matéria tão sensível quanto esta. Mas, não façamos como a avestruz nem pretendamos limpar as nossas mãos da responsabilidade que a todos nós cabe na solução destas situações. Contribuamos, de vez, para uma sociedade mais justa e, acima de tudo, não usemos de hipocrisia invocando valores que de tudo têm menos de cristandade ou cristianismo. Entretanto, e face à lei que tão bem defendem , aguardamos que aqueles (alguns com fortes responsabilidades públicas!) que tanto pugnam pela manutenção da penalização das mulheres que cometeram aborto denunciem às autoridades as suas familiares que um dia a ele recorreram, sob pena de, como bem sabem na sua qualidade de cumpridores indefectíveis da legalidade, incorrerem no crime de cumplicidade ou serem culpados de encobrimento de crime alheio...


 (1) Bíblia Sagrada – I Coríntios 6:12 – Tradução de João Ferreira de Almeida, Edições Vida Nova, 1ª Edição, 1998 (2) Idem – Levítico 20:10 – Tradução Interconfessional do hebraico, do aramaico e do grego em português corrente, Edição da Sociedade Bíblica de Portugal, 1994 (3) Ibidem – Evangelho de S. João 8: 3-11 – Idem


Abel Varandas
Fev.2002
in STECNICO nº 9

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