27 outubro 2009

CARTA ABERTA A JOSÉ SARAMAGO

(AJV)


Meu caro José,
Criatura,


Já não me surpreende que tu, e tantos outros como tu, não acreditem que eu existo ou que sou o que afirmo ser e distorçam a minha imagem e o meu carácter.
Tudo isso é banal desde aquele dia em que o vosso primeiro antecessor decidiu contrariar-me. E tudo isto acerca do teu livro sobre o filho dele, o mais velho. O Caim.

Não conseguiste perceber que só tens a capacidade de me negar porque assim te concebi, porque, criado à minha imagem e semelhança, és absolutamente livre. Mas a tua liberdade tem um preço. Ou, deixa-me dizer-te de outro modo, não podes esperar que trate do mesmo modo aqueles que me reconhecem como Criador, Sustentador e Salvador e aqueles, como tu, que decidiram negar-me, desvalorizar-me, vilipendiar o meu nome ou até, pura e simplesmente – como tu – insultar-me gratuitamente. A recompensa não é, porque não poderia ser, a mesma. Eu sou A Justiça.

Como sabes, és diferente dos outros animais que criei, dotei-te de uma razão para, supostamente, a poderes usar de uma forma útil e razoável. Mas, como também sabes, houve alguns teus contemporâneos, outros de que ouviste falar e sobre os quais leste e te informaste – eu sei disso – que usaram esse atributo que lhes ofereci para destruir, oprimir, roubar, matar, espezinhar o seu semelhante. E, alguns até, fizeram-no em meu nome. E por isso, alguns culpam-me a mim. Chama-me cruel, incentivador de carnificinas, autor moral de todos os males. Nem é necessário arguir-te a minha inocência pois esse não é o teu caso. Simplesmente porque não acreditas que eu sequer exista. E se não existo como posso ser culpado seja do que for? Nesse caso seriam os teus pares os “maus da fita” e tudo por culpa de um maldito “big bang”…

Mas tudo isto porque resolvi criar-vos à minha imagem e semelhança, livres para tudo. De outro modo não estaria rodeado de uma Criação mas de uma produção (e em série).

Mas sabes, caro José, que conheço aqueles que começaram como tu e hoje já não fogem mais de mim. Porque abdicaram um pouco do seu orgulho e reconheceram que admitir-me só os engrandecia.
E, para além disso, a minha existência é um facto quer tu creias quer tu não creias. Também há quem, ainda hoje não acredite que vós já fostes à lua ou que, qual Tomé, acredite redutoramente só no que pode tocar!

Agora, caríssimo, o que nem eu consigo entender e, de certo modo gostaria que me explicasses é como é que tu, um escritor galardoado com o Prémio Nobel da Literatura, e como tal dotado de um quociente de inteligência superior à media global perdes tanto tempo com alguém como eu que, na tua douta decisão, não existe.
Será que perder tempo com algo ou alguém que não existe, ou seja, com o nada, a não existência, não é sintoma de senilidade?
Como também não crês no conceito de pecado não entendes o porquê dessa degenerescência, mais ou menos usual, em fim de ciclo de vida.

Mas quero dizer-te, caro José, que a tua decrepitude não me surpreende. O teu verdadeiro problema não é a minha existência. Não consegues conviver nada bem é com a tua pequenez, o teu carácter mesquinho, o teres crido toda a tua vida num sistema político que provou estar absolutamente errado, não porque não fosse idealística e conceptualmente belo, mas porque assenta na premissa absoluta e comprovadamente falsa da bondade da natureza humana. E perguntas-me, mas se tu te dizes bom nós também o seríamos se feitos à tua semelhança? É verdade. E como tal vos criei. Mas os pais do teu Caim resolveram querer saber tanto como eu, querer ser auto-suficientes, provar que não precisavam de mim. E sabes qual foi o resultado? O primeiro de todos os resultados? Um filho com carácter ganacioso e assassino. Um hipócrita cultor da falsidade, uma personalidade distorcida. E sabes muito bem de quem falo. Do “teu” Caim. E vou até revelar-te um segredo: sabes porque desprezei o seu sacrifício? Porque não sou como tu. Porque tu só crês e valorizas o que vês à tua frente. Eu valorizo as intenções do coração.

José,

Mesmo sem acreditares em mim (e há quem diga que nas evidências não se acredita, simplesmente não se negam!) mesmo sem atribuíres qualquer valor ao que penso ou faço, quero dizer-te, mesmo assim, que como a qualquer outro elemento da minha Criação que como a qualquer outra ser humano me deu o maior prazer criar-te e por esse facto mesmo é que enviei o meu amado Filho, o meu único, para dar a sua vida por amor de ti, para dar sentido à tua existência. E um sentido profundo. Porque, quer creias, queiras ou não, sinto por ti o mesmo que sinto por todos os que me aceitam e pelos que, como tu, me negam e rejeitam: EU, TEU CRIADOR E SUSTENTADOR, PROVIDENCIADOR DA TUA SALVAÇÃO, AMO-TE, José Saramago!




Yaweh


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